Concílio de Trento e Vermigli
Entre 1545 e 1563 a igreja Católica Romana
reúne-se para o Concílio de Trento. Esta era a resposta de contra-reforma da
igreja ao movimento protestante.
Os reformadores, por sua vez, também
responderam esclarecendo a fé Evangélica, entre eles Vermigli. “Calvino assumiu
a mesma postura nas suas Institutas, assim como Vermigli no seu tratado sobre predestinação
e justificação, e também Cranmer na sua homília sobre a salvação. Em uníssono,
os reformadores agarraram-se a essa confiança porque acreditavam que a fé era
um dom.”[1]
“Predestinação e Justificação”
“Predestinação e Justificação”, de
Vermigli, é uma resposta ao conteúdo do Concílio de Trento.
Vermigli afirma uma marca da Reforma, “Sola
Fide”, como única forma pela qual o homem tem para receber a justificação
operada por Deus através dos méritos de Cristo. “O texto de Mártir sobre a
justificação tenta provar três proposições básicas: que as boas obras não
justificam, que a fé justifica e que só a fé justifica.”[2]
O reformador recorre amplamente às
Escrituras, ao Grego e Hebraico para explanar a sua teologia. É nesta dialética
que ele baseia o seu conceito de justificação e fé, que para ele, estão
profundamente relacionados.
“Caracteristicamente, o texto de Mártir
começa por estudar as nuances das várias palavras que a Bíblia hebraica usa
para justificação e para fé. Ele fica impressionado com uma analogia que liga
as noções hebraicas de justificar e crer."[3]
Fé e justificação estão interligadas porque
ambas estão alicerçadas em Cristo. Ambas são certas, e ambas não dependem de
nós. Tal como a fé em Cristo nos leva para uma esperança que não falha, também
a justificação pela fé em Cristo é algo que nunca falhará.
“Portanto, parece haver uma certa analogia
ou proporção entre esta palavra "crer" e a palavra
"justificar", como a tomamos aqui. Porque, assim como
"justificar" vem de julgar ou contabilizar, de atribuir justiça a
alguém e não de o tornar justo na realidade, assim também "crer" não
é (na verdade) tornar seguras e firmes as palavras e promessas de alguém
seguras e firmes, mas pensar e determinar dentro de nós mesmos que elas são
tais.”[4]
Obras preparatórias para a justificação
Cânon. 7.
“Se alguém disser que todas as obras que
são feitas antes da justificação, de qualquer modo que se façam, são
verdadeiramente pecados ou merecera o ódio de Deus; ou que, com quanto maior
veemência alguém se esforça em se dispor para a graça, tanto mais gravemente
peca — seja excomungado.”[5]
Em resposta à crença da igreja Romana de
que o homem colabora com Deus na sua salvação, Vermigli afirma que, é apenas
pela fé que o homem é justificado.
A Lei de Deus era boa. Apesar de o homem
estar perdido, isso não invalidava o valor e o poder da Lei de Deus. “… quando
afirmamos que os homens não são justificados pelas obras, não se deve pensar
que as boas obras são destruídas. Se essas [boas obras] pudessem ser praticadas
por nós como manda a lei, então seríamos justificados por elas... Ninguém,
porém, é capaz de praticar as obras que a lei ordena.”[6]
Vermigli afirma que as obras da Lei, a que
Paulo se refere quando ataca a justificação pelas obras, não se referem apenas
às obras ligadas à Lei Mosaica, mas a toda a obra do homem. Vermigli também
rejeita que haja obras preparatórias para a justificação. Pessoas têm sido
salvas no momento mais pecaminoso das suas vidas. Para Vermigli, a grande
alegria do homem está na predestinação de Deus.[7]
Comentado Romanos 8:29-30, ele discerne cinco etapas: a presciência, a
predestinação, a vocação, a justificação e a glorificação. Entre a vocação e a
justificação só uma coisa intervém, a fé. [8]
Entendemos então que, em resposta ao artigo
797 do Concílio de Trento, Vermigli afirma que nenhuma das obras do homem podem
contribuir pra a sua salvação.
“Mártir rejeita a ideia de que é concedida
a todos os homens uma graça geral pela qual podem praticar boas obras; este
velho erro dos pelagianos confunde natureza e graça.”[9]
Eis o que Vermigli responde:
“Poderia Pelágio ter dito outra coisa se
estivesse vivo?” (…) Ele parece especialmente perturbado pela insistência de
Trento de que o homem não faz absolutamente nada no processo de justificação e
tem o poder de receber a graça, mesmo que esta capacidade dependa de uma ação
anterior da graça.”[10]
Justificação, ato forense
Cânon 10
Se alguém disser que os homens são justificados
sem a justiça de Cristo, pela qual ele mereceu por nós; ou que é por ela mesma
que eles são formalmente justos — seja excomungado.”[11]
A doutrina da justificação da igreja
Católica Romana misturava a justificação com a santificação. Aquele que era
justificado passava a ser, na prática alguém que vivia de forma justa e
agradável a Deus.
Esta visão era refutada pelos reformadores,
incluindo Vermigli. Para ele, a justificação era um ato forense. O pecador é
declarado justo, com base na fé e nos méritos de Cristo.
“No que diz respeito à justificação em
sentido estrito, Vermigli coloca a maior ênfase no seu carácter forense, embora
nunca use realmente o termo. O carácter forense é evidente pelo facto de ele
descrever a justificação em termos distintamente judiciais.”[12]
“Às vezes, Deus justifica perdoando
pecados, atribuindo e imputando justiça; consequentemente, hitsdiq é um verbo
forense, porque olha para os julgamentos;”[13]
“Se alguém disser que o homem renascido e
justificado está obrigado pela fé a crer que certamente é do número dos
predestinados — seja excomungado.”
Cânon 16
“Se alguém disser que com absoluta e
infalível certeza há de ter aquele grande dom da perseverança final, sem o ter
sabido por especial revelação — seja excomungado."[14]
Autores há que afirmam que Vermigli não
caminhou com os reformadores em assuntos como a doutrina da perseverança dos
santos. “Por exemplo, Donnelly argumenta que Vermigli não ensina simuliustus et
peccator, ou graça irresistível, ou perseverança dos santos.”[15],
e “Mártir não defende a doutrina da
perseverança dos santos, como interpretada por muitos calvinistas
posteriores... Pelo contrário, Vermigli ensina que o homem pode cair em pecado
e, assim, perder a justificação”[16]
No entanto, proponho uma leitura diferente.
Vermigli afirma dois tipos de fé. Existe a fé que faz milagres e sinais, e a fé
que salva. A fé que faz milagres pode ser concedida até a descrentes. Ele usa
as palavras de Jesus em Mateus 7:22-23 para demonstrar esta posição. Aquele que
recebe este tipo de fé, não produz as obras que a regeneração produziria, e no
fundo, nem conhece Jesus. A questão não tem a ver com alguém ser justificado e
perder a salvação, antes, a pessoa nunca conheceu Jesus, e por isso, não tem
uma fé que salva.
“Há ainda um outro tipo de fé que serve para fazer
milagres, e que difere muito da fé justificadora; é comum tanto aos fiéis como
aos infiéis. Paulo menciona-o em 1 Coríntios: "A um é dada a palavra da
sabedoria, a outro a palavra da ciência, a outro a fé". (...) “Além disso,
afirma-se que este tipo de fé também é dado aos ímpios, como se vê no facto de
fazerem milagres e profecias. Assim, Cristo pode dizer-lhes: "Não vos
conheço", embora eles se vangloriem de boca aberta: "Senhor, Senhor,
não profetizamos nós em teu nome, e não expulsamos demónios em teu nome, e não
fizemos muitos milagres em teu nome?" Devemos separar a fé que é apenas
temporária, que o Senhor menciona na parábola da semente lançada no campo. Nem
todas as sementes caem em terra boa;[17]
Na minha leitura, não está claro se ele não
acredita na perseverança dos santos, ou se crê que muitos afirmam ter fé, mas
de facto não a têm.
A verdadeira fé traz consigo as obras que
agradam a Deus. Vermigli acredita na importância das obras, porque a Lei é boa
e não perde a sua importância. No entanto, o homem sozinho não é capaz de
cumprir a lei sem ter fé em Cristo. O cumprimento da Lei é imputado ao homem
pela fé em Cristo.
Eu creio que Vermigli afirmava que, a
verdadeira fé em Cristo, justificava o pecador eternamente, porque esta
justificação e esta fé depende de Cristo e não de nós. No entanto, este assunto
requer mais estudo da minha parte.
A justificação do homem não tem mérito
nenhum da sua parte. Todo o mérito é de Deus. Se o homem participasse nem que
fosse um pouco na sua salvação, estaria a retirar mérito e glória a Deus, que
lhE são devidas. Deus não partilha a sua glória com ninguém.
Surge, então uma última questão. Se há fé
verdadeira e fé morta, se os que são salvos não podem contribuir para que isso
aconteça, e se não sabemos quem é predestinado por Deus, então como é que
sabemos se somos salvos ou se temos a fé verdadeira?
“Como pode o homem ter a certeza de que a
sua fé é verdadeira, e não apenas uma fé morta e histórica? A verdadeira fé que
vem do Espírito Santo é certa, firme e eficaz. Ela muda o coração do homem e
leva-o a uma vida santa. O Espírito testifica internamente ao seu espírito, as
Escrituras explicam-no, e as próprias boas obras do homem provam a
transformação operada nele. Em contrapartida, os justos pelas obras não têm a
confirmação do Espírito e são contrariados pelos ensinamentos da Bíblia. Até as
suas boas obras são uma farsa, tal como as virtudes dos antigos pagãos.”[18]
Conclusão
A vida de Vermigli foi uma vida de
crescimento e de aprendizagem. Deste o monasticismo, passando pelo sacerdócio
Católico Romano, até ser professor renomado em Zurique. É evidente que estamos
perante alguém que foi muito importante no movimento da Reforma, em vários
países.
Vermigli era um teólogo soberbo. A
autoridade das Escrituras e uma preocupação com as fontes primárias e os pais
da igreja são marcas claras no pensamento deste reformador.
É maravilhoso perceber a obra de Deus
através de homens fiéis como Vermigli.
A Deus toda a glória!
[1] Matthew Barrett, The
Reformation as Renewal: Retrieving the One, Holy, Catholic, and Apostolic
Church: An Intellectual and Theological History (Grand Rapids, Michigan:
Zondervan Academic, 2023), 861.
Tradução Deepl
[2] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 150. Tradução pelo Deepl
[3] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 150. Tradução pelo Deepl
[4] Vermigli, Predestination
and Justification, 627.,
Tradução Deepl
[5] Concílio de Trento, n.d. Canon 7
[6] Vermigli, Predestination
and Justification, 635.,
Tradução Deepl
[7] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 152.
[8] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 153.
[9] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 150. Tradução Deepl
[10] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 153. Tradução Deepl
[11] Concílio de Trento. Canon 10
[12] James III, “DE
IUSTIFICATIONE,” 170.
Tradução Deepl
[13] Vermigli, Predestination
and Justification, 627.
Tradução Deepl
[14] Concílio de Trento. Canon 15 e 16
[15] James III, “DE
IUSTIFICATIONE.”,
Tradução Deepl
[16] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 155. Tradução Deepl
[17] Vermigli, Predestination
and Justification, 632.,
Tradução Deepl
[18] donnely, CALVINISM AND
SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 155., Tradução Deepl
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