sexta-feira, novembro 21, 2025

O quadro maior

 A igreja é “o grupo de seguidores de Jesus que creem nEle como Salvador e Senhor e que congregam num mesmo lugar, comungando de uma mesma vida em Cristo, por causa de Cristo”. Isto é o que chamamos de Igreja local. Uma Igreja num local, com vida própria, deveres e privilégios que se circunscrevem aos cristãos que congregam geograficamente num mesmo espaço. Um bom exemplo disto encontramos em relação ao governo da Igreja. Eu devo submissão à liderança da Igreja local onde sou membro, mas não devo essa mesma submissão à liderança de outra qualquer igreja, nem tão pouco a liderança de outra qualquer igreja local deve pastorear a minha vida.

A questão que pode surgir à nossa mente, quando lemos esta explicação é, “então qual é o relacionamento que tenho com outros crentes noutros lugares no mundo?” Esta é uma questão muito importante porque nos vai levar exatamente ao que queremos tratar hoje, a Igreja universal. Em poucas palavras, enquanto aqui vivemos a realidade que desfrutamos é a da igreja local.  O relacionamento que temos com outros irmãos em outras igrejas locais deve ser o de amor fraternal em Cristo. No entanto, devemos salientar que o meu compromisso de edificação mútua, começa e tem a sua prioridade nos meus irmãos da Igreja local onde pertenço.

A Bíblia fala muitas vezes sobre a igreja, mas nem sempre o faz da mesma forma. Por vezes, a Igreja é um grupo de pessoas que se reúnem num determinado lugar. Há clareza quanto a quem pertence e quem não pertence a essa igreja, ao ponto de se falar em exclusão de membros. Vemos um exemplo disso na primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, “…à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.” (…) “Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.” (I Coríntios 1:2, 5:12-13). No entanto, outras vezes a Igreja é falada como algo universal. Os crentes de todos os tempos e de todos lugares, “Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.” (Apocalipse 21:2-4). Como é que compreendemos esta diferença?

A Igreja tem duas formas de existir. Ambas refletem e significam o mesmo, mas cada uma acontece num determinado tempo. Existem duas realidades para a Igreja, a Igreja local e a Igreja universal. A igreja local é a realidade que vivemos na era presente. Esta é forma que mais encontramos na Bíblia quando lemos acerca da igreja. A igreja local é o grupo de pessoas que creem no Senhor Jesus Cristo como Senhor e Salvador e que assumem um compromisso de congregar num determinado lugar. Haveremos de voltar a este conceito quando falarmos de governo, ofícios e membresia na igreja. A Igreja universal, por outro lado, é a totalidade dos salvos por Jesus de todas as eras e de todos os lugares.

Como a Igreja é uma assembleia reunida, a realidade da Igreja universal nunca pode ser vivida nesta vida. Por isso, aqui na terra vivemos a Igreja local. Percebermos esta distinção é de extrema importância para a nossa vida cristã.

A realidade plena da Igreja universal será vivida apenas na glória. Apenas no céu estaremos todos juntos, todos congregados, todos simultaneamente em comunhão com o Senhor Jesus.  

segunda-feira, novembro 17, 2025

O que é a Igreja? II

Jesus usa a palavra “Assembleia” para se referir aos seus seguidores, porque o plano de Deus para o homem, neste aspeto é criar um povo Seu, não apenas salvar indivíduos isolados.

Os seguidores de Jesus são uma assembleia. No fundo, eles são a “Assembleia de Jesus”. Isto significa que, como seguidores de Jesus, somos chamados à comunhão e a comunhão que temos é em Cristo. É “Cristo o íman que nos atrai…”, como diz o cântico “Um só rebanho”.

Por isso, a Igreja é a comunidade das pessoas que afirmam o credo de que Jesus é o Salvador e Senhor das suas vidas.

Mas afirmar que a igreja é uma assembleia, e percebermos que, na infinitude de palavras que Jesus poderia escolher, Ele vai escolher exatamente esta, isso deve ter um impacto ainda mais profundo no que a igreja é.

Se a igreja é assembleia, logo, a igreja existe principalmente quando é assembleia. Então pergunto, quando é que um grupo de pessoas é uma assembleia? A resposta é evidente, um grupo de pessoas é assembleia quando estão juntas. Qualquer assembleia existe apenas quando está junta.

Percebermos isto traz-nos para a compreensão de que congregarmos e estarmos juntos fisicamente no mesmo lugar, é muito mais importante do que talvez pensássemos.

Por isso, a igreja acontece, “somos igreja” (uma expressão que tem ganho alguma popularidade…), ou então a igreja torna-se visível, quando está congregada.

Todo este ensino requer explicação posterior, porque, como veremos mais à frente, existem duas realidades para a igreja, a igreja universal e a igreja local.

Resumindo o que já podemos aprender até aqui do que é a igreja.

A igreja é o grupo de seguidores de Jesus que creem nEle como Salvador e Senhor e que congregam num mesmo lugar e comungam de uma mesma vida em Cristo e por causa de Cristo.

Deixo-vos apenas com o texto Bíblico que será a nossa base para o próximo artigo. É importante percebermos juntamente com a identidade da igreja, a sua grandeza e importância nos planos de Deus.

“… para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor, pelo qual temos ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele. Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, pois nisso está a vossa glória.”

Efésios 3:10-13

sexta-feira, novembro 14, 2025

O que é a igreja?

 “Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.”

Mateus 16:17-19

Este será um texto ao qual recorreremos algumas vezes, à medida que formos caminhando no estudo da Igreja. Este texto é importante por várias razões. Em primeiro lugar porque são palavras diretas de Jesus acerca da igreja. Em segundo lugar porque em todos os Evangelhos, Jesus só se refere aos seus seguidores como “igreja” duas vezes. As duas vezes estão registadas em Mateus, das quais esta é a primeira e em 18:17 a segunda. Em terceiro lugar porque é claro, por todo o contexto, que Jesus está a declarar coisas de extrema importância acerca da Igreja.

Para estudarmos a igreja, devemos começar por criar um terreno comum e perceber o que é que a Bíblia ensina acerca do que é a Igreja. Ninguém melhor do que Jesus Cristo para nos ensinar.

Em primeiro lugar, a igreja está assente, alicerçada e fundada em Jesus Cristo (Messias, Salvador) e na Sua divindade. Ou seja, o que faz a Igreja ser Igreja é a centralidade absoluta de Cristo como Salvador e Senhor. É esta a afirmação que Pedro faz no versículo 16, “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.”. Em resposta a esta declaração de fé, Jesus diz que edificará a Sua Igreja sobre esta pedra. O que é então “esta pedra” de que Jesus fala? Certamente a pedra não é uma pessoa como Pedro. A Pedra é o credo de que Jesus é o Cristo e o Filho do Deus vivo. Mas a pedra, por consequência, não é apenas isto. A Pedra de que Jesus fala é este credo afirmado e declarado pelos Seus discípulos. Neste sentido, Pedro representa a igreja, sendo que todos devemos afirmar, como Pedro, a nossa fé em Jesus como Senhor e Salvador. Por isso, a Igreja é o corpo de discípulos de Jesus que afirmam e creem desta forma em Jesus.

Em segundo Lugar, Jesus diz que chama este grupo de seguidores de “minha Igreja”. Vamos por partes…

A igreja pertence a Jesus. Ela não só é edificada na pessoa de Cristo, mas ela é propriedade de Jesus, é isto que Jesus quer dizer quando diz “minha igreja…” A igreja não visa ser independente de Jesus. A razão para isto é que há uma íntima relação entre o povo de Deus, no Velho Testamento e a Igreja de Jesus Cristo no Novo Testamento. A igreja é a continuação do povo de Deus. Só que desta vez, sem barreiras de raça, nação ou geografia. A igreja é o Israel espiritual. Por isso, a igreja pertence a Jesus e consequentemente, é o povo de Deus.

Mas a palavra que Jesus usa aqui para se referir a nós, não é a palavra seguidores, nem discípulos, nem rebanho, nem fiéis. Jesus usa a Palavra “Igreja”. Esta é uma palavra que na tradução para o português foi transliterada do Grego, “Ekklésia”. A Ekklésia era uma palavra que já existia e era comumente usada. Ekklésia significa literalmente assembleia.

A pergunta mais evidente é, então porque é que Jesus usou esta palavra para se referir aos seus seguidores? A resposta a esta pergunta leva-nos para a importância, vida e significado da igreja. 

segunda-feira, novembro 10, 2025

A importância da igreja II

 Quando lemos em Génesis o relato da criação, lemos que Deus cria o homem, mas logo de início cria dois seres humanos, porque para Deus, “Não é bom que homem esteja só” (Génesis 2:18). Eu creio que Deus não falava apenas da família e do relacionamento conjugal. A família é a unidade da igreja e a igreja é uma comunidade. Deus cria duas pessoas porque, logo de início, é claro na Palavra Deus, que nós fomos criados para a comunidade e não para o isolamento.

O Criador conhece melhor do ninguém aquele que criou, por isso, Deus sabe que não fomos criados para viver sozinhos. Esta é uma clara oposição à fortíssima ênfase que o mundo coloca sempre no individualismo e na privacidade. Alguns autores chamam o homem da nossa era de “homem psicológico”. Isto quer dizer que tudo tem o significado que cada um quer dar. Nada tem um significado absoluto. Se eu acho que fazer bem é matar fetos, então isso é fazer bem para mim. Se eu acho que não sou um homem, mas uma mulher, então eu sou uma mulher. O que determina o significado das coisas é a minha mente.

Desculpem se estou a complicar muito, essa não é a minha intenção. Queria apenas com isto que percebêssemos que o Senhor sabe muito bem que o homem sozinho e isolado com os seus pensamentos não traz resultados nada bons.

Por isso, Ele cria duas pessoas, que se formam numa família. Depois da queda, Em Génesis 6, salva Noé e toda a sua família e finalmente, em Génesis 12, quando chama Abraão, chama-o para ser um povo. Quando chegamos ao Novo Testamento, em I Pedro 2:9, lemos que somos um povo, propriedade exclusiva de Deus. Este povo que Deus separou desde o Velho Testamento é a igreja de Jesus Cristo. Deus relaciona-se com o homem criando um povo.

A igreja, depois de tudo acabar neste mundo, será casada com o Senhor Jesus Cristo e viverá em intimidade eterna, desfrutando da Sua presença no céu.

A igreja é tão importante! Sozinhos não funcionamos bem! Por isso, volto a sublinhar a importância de pensarmos e estudarmos acerca da Igreja.

sábado, novembro 08, 2025

Vermigli III

 Concílio de Trento e Vermigli

 

Entre 1545 e 1563 a igreja Católica Romana reúne-se para o Concílio de Trento. Esta era a resposta de contra-reforma da igreja ao movimento protestante.

Os reformadores, por sua vez, também responderam esclarecendo a fé Evangélica, entre eles Vermigli. “Calvino assumiu a mesma postura nas suas Institutas, assim como Vermigli no seu tratado sobre predestinação e justificação, e também Cranmer na sua homília sobre a salvação. Em uníssono, os reformadores agarraram-se a essa confiança porque acreditavam que a fé era um dom.”[1]

 

“Predestinação e Justificação”

 

“Predestinação e Justificação”, de Vermigli, é uma resposta ao conteúdo do Concílio de Trento.

Vermigli afirma uma marca da Reforma, “Sola Fide”, como única forma pela qual o homem tem para receber a justificação operada por Deus através dos méritos de Cristo. “O texto de Mártir sobre a justificação tenta provar três proposições básicas: que as boas obras não justificam, que a fé justifica e que só a fé justifica.”[2]

O reformador recorre amplamente às Escrituras, ao Grego e Hebraico para explanar a sua teologia. É nesta dialética que ele baseia o seu conceito de justificação e fé, que para ele, estão profundamente relacionados.

“Caracteristicamente, o texto de Mártir começa por estudar as nuances das várias palavras que a Bíblia hebraica usa para justificação e para fé. Ele fica impressionado com uma analogia que liga as noções hebraicas de justificar e crer."[3]

Fé e justificação estão interligadas porque ambas estão alicerçadas em Cristo. Ambas são certas, e ambas não dependem de nós. Tal como a fé em Cristo nos leva para uma esperança que não falha, também a justificação pela fé em Cristo é algo que nunca falhará.

“Portanto, parece haver uma certa analogia ou proporção entre esta palavra "crer" e a palavra "justificar", como a tomamos aqui. Porque, assim como "justificar" vem de julgar ou contabilizar, de atribuir justiça a alguém e não de o tornar justo na realidade, assim também "crer" não é (na verdade) tornar seguras e firmes as palavras e promessas de alguém seguras e firmes, mas pensar e determinar dentro de nós mesmos que elas são tais.”[4]

 

Obras preparatórias para a justificação

Cânon. 7. 

“Se alguém disser que todas as obras que são feitas antes da justificação, de qualquer modo que se façam, são verdadeiramente pecados ou merecera o ódio de Deus; ou que, com quanto maior veemência alguém se esforça em se dispor para a graça, tanto mais gravemente peca — seja excomungado.”[5]

 

Em resposta à crença da igreja Romana de que o homem colabora com Deus na sua salvação, Vermigli afirma que, é apenas pela fé que o homem é justificado.

A Lei de Deus era boa. Apesar de o homem estar perdido, isso não invalidava o valor e o poder da Lei de Deus. “… quando afirmamos que os homens não são justificados pelas obras, não se deve pensar que as boas obras são destruídas. Se essas [boas obras] pudessem ser praticadas por nós como manda a lei, então seríamos justificados por elas... Ninguém, porém, é capaz de praticar as obras que a lei ordena.”[6]

Vermigli afirma que as obras da Lei, a que Paulo se refere quando ataca a justificação pelas obras, não se referem apenas às obras ligadas à Lei Mosaica, mas a toda a obra do homem. Vermigli também rejeita que haja obras preparatórias para a justificação. Pessoas têm sido salvas no momento mais pecaminoso das suas vidas. Para Vermigli, a grande alegria do homem está na predestinação de Deus.[7] Comentado Romanos 8:29-30, ele discerne cinco etapas: a presciência, a predestinação, a vocação, a justificação e a glorificação. Entre a vocação e a justificação só uma coisa intervém, a fé. [8]

Entendemos então que, em resposta ao artigo 797 do Concílio de Trento, Vermigli afirma que nenhuma das obras do homem podem contribuir pra a sua salvação.

“Mártir rejeita a ideia de que é concedida a todos os homens uma graça geral pela qual podem praticar boas obras; este velho erro dos pelagianos confunde natureza e graça.”[9]

Eis o que Vermigli responde:

“Poderia Pelágio ter dito outra coisa se estivesse vivo?” (…) Ele parece especialmente perturbado pela insistência de Trento de que o homem não faz absolutamente nada no processo de justificação e tem o poder de receber a graça, mesmo que esta capacidade dependa de uma ação anterior da graça.”[10]

 

Justificação, ato forense

Cânon 10 

Se alguém disser que os homens são justificados sem a justiça de Cristo, pela qual ele mereceu por nós; ou que é por ela mesma que eles são formalmente justos — seja excomungado.”[11]

 

A doutrina da justificação da igreja Católica Romana misturava a justificação com a santificação. Aquele que era justificado passava a ser, na prática alguém que vivia de forma justa e agradável a Deus.

Esta visão era refutada pelos reformadores, incluindo Vermigli. Para ele, a justificação era um ato forense. O pecador é declarado justo, com base na fé e nos méritos de Cristo.

“No que diz respeito à justificação em sentido estrito, Vermigli coloca a maior ênfase no seu carácter forense, embora nunca use realmente o termo. O carácter forense é evidente pelo facto de ele descrever a justificação em termos distintamente judiciais.”[12]

“Às vezes, Deus justifica perdoando pecados, atribuindo e imputando justiça; consequentemente, hitsdiq é um verbo forense, porque olha para os julgamentos;”[13]

 

Perseverança dos Santos

Cânon 15

“Se alguém disser que o homem renascido e justificado está obrigado pela fé a crer que certamente é do número dos predestinados — seja excomungado.”

Cânon 16 

“Se alguém disser que com absoluta e infalível certeza há de ter aquele grande dom da perseverança final, sem o ter sabido por especial revelação — seja excomungado."[14]

 

Autores há que afirmam que Vermigli não caminhou com os reformadores em assuntos como a doutrina da perseverança dos santos. “Por exemplo, Donnelly argumenta que Vermigli não ensina simuliustus et peccator, ou graça irresistível, ou perseverança dos santos.”[15], e  “Mártir não defende a doutrina da perseverança dos santos, como interpretada por muitos calvinistas posteriores... Pelo contrário, Vermigli ensina que o homem pode cair em pecado e, assim, perder a justificação”[16]

No entanto, proponho uma leitura diferente. Vermigli afirma dois tipos de fé. Existe a fé que faz milagres e sinais, e a fé que salva. A fé que faz milagres pode ser concedida até a descrentes. Ele usa as palavras de Jesus em Mateus 7:22-23 para demonstrar esta posição. Aquele que recebe este tipo de fé, não produz as obras que a regeneração produziria, e no fundo, nem conhece Jesus. A questão não tem a ver com alguém ser justificado e perder a salvação, antes, a pessoa nunca conheceu Jesus, e por isso, não tem uma fé que salva.

 

“Há ainda um outro tipo de fé que serve para fazer milagres, e que difere muito da fé justificadora; é comum tanto aos fiéis como aos infiéis. Paulo menciona-o em 1 Coríntios: "A um é dada a palavra da sabedoria, a outro a palavra da ciência, a outro a fé". (...) “Além disso, afirma-se que este tipo de fé também é dado aos ímpios, como se vê no facto de fazerem milagres e profecias. Assim, Cristo pode dizer-lhes: "Não vos conheço", embora eles se vangloriem de boca aberta: "Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome, e não expulsamos demónios em teu nome, e não fizemos muitos milagres em teu nome?" Devemos separar a fé que é apenas temporária, que o Senhor menciona na parábola da semente lançada no campo. Nem todas as sementes caem em terra boa;[17]

 

Na minha leitura, não está claro se ele não acredita na perseverança dos santos, ou se crê que muitos afirmam ter fé, mas de facto não a têm.

A verdadeira fé traz consigo as obras que agradam a Deus. Vermigli acredita na importância das obras, porque a Lei é boa e não perde a sua importância. No entanto, o homem sozinho não é capaz de cumprir a lei sem ter fé em Cristo. O cumprimento da Lei é imputado ao homem pela fé em Cristo.

Eu creio que Vermigli afirmava que, a verdadeira fé em Cristo, justificava o pecador eternamente, porque esta justificação e esta fé depende de Cristo e não de nós. No entanto, este assunto requer mais estudo da minha parte.

A justificação do homem não tem mérito nenhum da sua parte. Todo o mérito é de Deus. Se o homem participasse nem que fosse um pouco na sua salvação, estaria a retirar mérito e glória a Deus, que lhE são devidas. Deus não partilha a sua glória com ninguém.

Surge, então uma última questão. Se há fé verdadeira e fé morta, se os que são salvos não podem contribuir para que isso aconteça, e se não sabemos quem é predestinado por Deus, então como é que sabemos se somos salvos ou se temos a fé verdadeira?

“Como pode o homem ter a certeza de que a sua fé é verdadeira, e não apenas uma fé morta e histórica? A verdadeira fé que vem do Espírito Santo é certa, firme e eficaz. Ela muda o coração do homem e leva-o a uma vida santa. O Espírito testifica internamente ao seu espírito, as Escrituras explicam-no, e as próprias boas obras do homem provam a transformação operada nele. Em contrapartida, os justos pelas obras não têm a confirmação do Espírito e são contrariados pelos ensinamentos da Bíblia. Até as suas boas obras são uma farsa, tal como as virtudes dos antigos pagãos.”[18]

 

Conclusão

A vida de Vermigli foi uma vida de crescimento e de aprendizagem. Deste o monasticismo, passando pelo sacerdócio Católico Romano, até ser professor renomado em Zurique. É evidente que estamos perante alguém que foi muito importante no movimento da Reforma, em vários países.

Vermigli era um teólogo soberbo. A autoridade das Escrituras e uma preocupação com as fontes primárias e os pais da igreja são marcas claras no pensamento deste reformador.

É maravilhoso perceber a obra de Deus através de homens fiéis como Vermigli.

A Deus toda a glória! 



[1] Matthew Barrett, The Reformation as Renewal: Retrieving the One, Holy, Catholic, and Apostolic Church: An Intellectual and Theological History (Grand Rapids, Michigan: Zondervan Academic, 2023), 861. Tradução Deepl

[2] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 150. Tradução pelo Deepl

[3] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 150. Tradução pelo Deepl

[4] Vermigli, Predestination and Justification, 627., Tradução Deepl

[5] Concílio de Trento, n.d. Canon 7

[6] Vermigli, Predestination and Justification, 635., Tradução Deepl

[7] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 152.

[8] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 153.

[9] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 150. Tradução Deepl

[10] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 153. Tradução Deepl

[11] Concílio de Trento. Canon 10

[12] James III, “DE IUSTIFICATIONE,” 170. Tradução Deepl

[13] Vermigli, Predestination and Justification, 627. Tradução Deepl

[14] Concílio de Trento. Canon 15 e 16

[15] James III, “DE IUSTIFICATIONE.”, Tradução Deepl

[16] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 155. Tradução Deepl

[17] Vermigli, Predestination and Justification, 632., Tradução Deepl

[18] donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 155., Tradução Deepl

sexta-feira, novembro 07, 2025

Vermigli II

 

Justificação pela fé

Para falar de justificação pela fé de acordo com Vermigli, precisamos de falar de teólogos anteriores a ele. Uma destas pessoas foi o Cardeal Gasparo Contarini, “Ninguém está mais identificado com o movimento reformista italiano do século XVI do que o senador veneziano que se tornou cardeal, Gasparo Contarini (1483-1542).” [1]

Contarini é importante porque recebe influência dos escritos de Lutero e começa a pregar a doutrina Luterana, nomeadamente, a justificação pela fé. Contarini também lidera uma comissão para a reforma dentro da igreja, “Consilium de emendanda Ecclesia”. A sua visão era que a reforma precisava acontecer dentro da igreja. No entanto, Contarini não era um reformador pleno, mantendo ele, muita da doutrina católica Romana. Contarini inicia um movimento, dentro da igreja chamado de “Spirituali”. Vermigli vem a trabalhar debaixo da sua liderança, como acessor teológico para a “Consilium de emendanda Ecclesia”. Sendo assim, vemos em Contarini uma primeira influência na vida de Vermigli para a doutrina da Justificação pela fé.[2]

Outra influência de Vermigli é Juan de Valdés. “Se Contarini representa o embaixador público da reforma italiana, Juan de Valdés foi o seu conselheiro espiritual privado. Embora Vermigli nunca mencione o nome do espanhol Valdés, não há dúvida de que ele exerceu uma influência teológica decisiva sobre o agostiniano italiano.”[3] Quando Vermigli sai de itália já tem uma teologia reformada muito bem “maturada”…[4]

“A doutrina da justificação pela fé somente, foi o ponto de viragem decisivo na vida de Vermigli. Não se pode entender completamente Vermigli sem “sola fide”, nem, podem os estudiosos modernos entender completamente o desenvolvimento doutrinário do Protestantismo Reformado sem a devida consideração de Pedro Mártir Vermigli.”[5]

Para Vermigli, fé é: “um assentimento firme e seguro da mente às palavras de Deus, um assentimento inspirado pelo Espírito Santo para a salvação dos crentes.”[6]

“A doutrina da justificação apenas pela fé é crucial para Mártir... Calvino sublinhou o facto de a “sola fide” realçar a soberania de Deus. Mártir prefere insistir na forma como a generosidade e a bondade de Deus se manifestam através da justificação apenas pela fé”[7]



[1] James III, “DE IUSTIFICATIONE,” 106.

[2] James III, “DE IUSTIFICATIONE,” 106.

[3] James III, “DE IUSTIFICATIONE,” 123.

[4] James III, “DE IUSTIFICATIONE,” 158.

[5] James III, “DE IUSTIFICATIONE.”

[6] Peter Vermigli, Predestination and Justification : Two Theological Loci, vol. LXVIII of Sixteenth Century Essays & Studies (Kirksville, Missoury, USA: Truman State University Press, 2003), 629. Tradução Deepl

[7] John Patrick donnely, CALVINISM AND SCHOLASTICISM IN VERMIGLI’S DOCTRINE OF MAN AND GRACE, 1976, 149.